No Japão, a crescente preocupação com a saúde mental dos trabalhadores, especialmente aqueles em cargos de gestão, tem chamado atenção devido ao aumento significativo de casos de transtornos relacionados ao estresse no ambiente corporativo. Em novembro, o país promove o “Mês de Conscientização sobre a Prevenção de Karoshi” — morte por excesso de trabalho —, destacando a gravidade de um problema que afeta diretamente o bem-estar dos profissionais.
10 Anos da Lei Karoshi: Reconhecimento do Suicídio por Excesso de Trabalho como Acidente de Trabalho no Trabalho Remoto
Este mês marca o décimo aniversário da entrada em vigor da Lei Karoshi de Prevenção de Mortes, um marco legislativo no Japão que busca enfrentar os riscos associados ao excesso de trabalho. Durante a última década, o trabalho remoto se popularizou, especialmente após a pandemia de COVID-19, mas trouxe consigo novos desafios, incluindo casos de suicídio ligados ao ambiente de trabalho doméstico. A legislação começou a reconhecer esses casos como acidentes de trabalho, gerando reflexões sobre a saúde mental no ambiente corporativo e a importância de medidas de proteção.
Dados Preocupantes sobre Transtornos Mentais no Trabalho
De acordo com o Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-Estar do Japão, 883 pessoas foram diagnosticadas no último ano com transtornos mentais, como depressão, relacionados ao estresse ocupacional. Dentro deste número, 52 eram gestores, um aumento significativo em comparação aos anos anteriores. Além disso, 15 destes casos culminaram em suicídio ou tentativas, evidenciando a severidade do problema.
O estudo também revelou que as longas horas de trabalho e a pressão para alcançar metas elevadas são fatores cruciais. Gestores enfrentam uma carga dupla: além de garantir o desempenho da equipe, são frequentemente responsáveis por alcançar metas corporativas, sem a redução proporcional de suas próprias demandas.
O Caso de Arata Takabatake: Um Alerta Sobre os Riscos do Trabalho Remoto
Arata Takabatake, um jovem profissional de 32 anos que trabalhava em uma trading em Tóquio, exemplifica os desafios do teletrabalho. Em 2020, devido à pandemia, sua empresa adotou o modelo remoto, onde as comunicações limitavam-se a e-mails e chamadas telefônicas. Em meio a demandas crescentes e alterações em suas responsabilidades, Takabatake enfrentou sobrecarga emocional e isolamento, o que culminou em sua trágica morte.
De acordo com o Escritório de Inspeção de Normas Trabalhistas, a introdução do teletrabalho, aliada ao aumento de tarefas e a falta de suporte adequado, resultou no desenvolvimento de um transtorno de humor. Esse caso foi classificado como acidente de trabalho, evidenciando a conexão entre as condições laborais e os danos à saúde mental.
Reflexões das Famílias
Os pais de Arata Takabatake enfatizam a necessidade de maior atenção e diálogo dentro e fora do ambiente de trabalho. Sua mãe destaca que a dedicação extrema ao trabalho, sem pausas ou apoio, contribuiu para o desfecho trágico. Já seu pai reforça a importância de compartilhar preocupações e buscar ajuda em momentos de dificuldade, tanto entre colegas quanto com familiares.
Longas Jornadas e Pressão Constante
Pesquisas realizadas pelo Instituto Japonês de Política e Formação Laboral destacam que os gestores enfrentam jornadas mensais mais longas, com uma média de 185 horas de trabalho, contra 179 horas da média geral. Além disso, 31,4% dos gestores relataram fazer horas extras quase diariamente, em comparação com 21,7% entre os demais trabalhadores.
Outros dados alarmantes indicam que 25,1% dos gestores continuam a receber contatos relacionados ao trabalho fora do horário de expediente, como e-mails e ligações, contra 14,9% dos outros profissionais.
O Impacto do Trabalho Remoto na Saúde Mental
O trabalho remoto trouxe conveniência, mas também desafios como a redução do contato humano, maior dificuldade de comunicação e falta de apoio presencial. Especialistas apontam que interações online podem gerar níveis de cansaço mental mais elevados, devido à menor troca de informações não-verbais e maior exigência de atenção.
Segundo o professor Takashi Eguchi, da Universidade de Medicina Ocupacional e Industrial, a falta de suporte imediato após interações difíceis, especialmente com clientes, pode agravar o isolamento e a sensação de sobrecarga. Ele destaca a importância de desenvolver um ambiente virtual que priorize o bem-estar dos colaboradores, com comunicação eficiente e suporte emocional contínuo.
O caso de Takabatake é um lembrete da responsabilidade das empresas em oferecer suporte psicológico adequado e supervisionar as condições de trabalho remoto. A gestão ativa e a promoção de uma cultura de transparência podem prevenir situações extremas.
Fatores que Agravam o Estresse em Gestores
Além do trabalho operacional, gestores frequentemente assumem tarefas que extrapolam suas funções. Quando subordinados têm suas horas extras limitadas por políticas corporativas, cabe aos gestores finalizar as pendências, intensificando ainda mais sua carga de trabalho. A pressão para atender metas ambiciosas enquanto garantem o bem-estar das equipes os coloca em uma posição de vulnerabilidade emocional.
Conforme explica o Dr. Yoichiro Watanabe, diretor da Associação Japonesa de Médicos Ocupacionais Psiquiátricos, a expectativa de que gestores sejam autossuficientes e resilientes agrava o quadro. Muitos não buscam ajuda ou evitam reconhecer sinais de esgotamento, perpetuando ciclos prejudiciais à saúde mental.
Medidas Adotadas e Propostas Futuras
O Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-Estar do Japão publicou diretrizes para abordar os problemas relacionados ao teletrabalho, incluindo saúde mental e jornadas excessivas. Entre as iniciativas estão:
- Entrevistas regulares para avaliar a condição física e mental dos trabalhadores.
- Comunicação com as famílias dos funcionários para identificar sinais de exaustão.
- Restrições ao envio de e-mails fora do horário de expediente e monitoramento das horas trabalhadas.
Essas medidas visam criar um ambiente remoto mais saudável, prevenindo problemas como o isolamento extremo e o excesso de carga horária.
Para enfrentar a crise, especialistas propõem uma série de medidas:
- Gestão do Tempo: Empresas devem assegurar que gestores também tenham controle sobre suas jornadas. Ferramentas como checklists regulares para avaliar os níveis de fadiga podem identificar problemas precocemente.
- Sistemas de Apoio: A criação de espaços para consultas e aconselhamentos específicos para gestores é essencial. Isso inclui acesso a médicos ocupacionais para tratar sinais de esgotamento mental.
- Mudança de Cultura: A visão de que gestores precisam ser infalíveis deve ser reavaliada. A abertura para discussões sobre saúde mental e sobrecarga pode promover mudanças positivas.
- Treinamentos e Educação: Oferecer capacitação para que gestores reconheçam os sinais de estresse em si mesmos e em suas equipes, incentivando-os a buscar apoio quando necessário.
Lições que o Brasil Pode Aprender
Enquanto no Brasil discute-se a redução de jornadas em regimes como o 6×1, o caso japonês serve como alerta. Políticas que busquem humanizar o ambiente de trabalho, equilibrando as demandas corporativas com o bem-estar dos funcionários, são indispensáveis para evitar consequências graves.
Empresas brasileiras podem se beneficiar ao adotar práticas como:
- Implantação de sistemas de controle de fadiga.
- Fomento de uma cultura organizacional voltada para a saúde mental.
- Estímulo à busca de auxílio médico e psicológico por parte de líderes.
O aumento nos casos de transtornos mentais em gestores japoneses destaca a urgência de se repensar práticas de trabalho no mundo corporativo. É essencial que governos, empresas e profissionais unam esforços para criar ambientes mais saudáveis, garantindo não apenas a produtividade, mas a qualidade de vida de todos os envolvidos.